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Incorporação imobiliária e regras contábeis

Em relação ao setor imobiliário, a principal questão refere-se ao tratamento contábil dado às receitas e despesas.

Desde 2007, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) aprovou pronunciamentos técnicos cujo objetivo é convergir o sistema contábil brasileiro ao padrão internacional, o International Financial Reporting Standards (IFRS), o que pode gerar problemas de adequação aos departamentos financeiros e contábeis das empresas do ramo imobiliário.

Em relação ao setor imobiliário, a principal questão refere-se ao tratamento contábil dado às receitas e despesas. Para isso, houve a classificação dos contratos em: (i) contrato de construção – aqueles negociados para a construção de um ativo único (ex. edifício) ou de diversos ativos relacionados (ex. planta industrial); (ii) contrato de prestação de serviços – aqueles em que a entidade não é obrigada a comprar ou fornecer os materiais de construção, sendo sua obrigação apenas a prestação dos serviços relacionados à construção; e (iii) contrato de venda de bens – aplicáveis aos contratos de venda decorrentes da incorporação de unidades imobiliárias.

Diante dessa classificação, é importante observar a diferença das atividades das construtoras e das incorporadoras. As primeiras necessariamente realizam a obra ao passo que as incorporadoras poderão realizar a construção do imóvel diretamente ou contratar terceiros – as construtoras – para fazê-lo. A incorporadora, por sua vez, deverá ser proprietária do terreno, promitente compradora, construtora ou corretora de imóveis (art. 31 da Lei nº 4.591, de 1964). A construtora poderá ser qualquer sociedade ou profissional qualificado.

Anteriormente, as sociedades brasileiras que atuavam no setor imobiliário obedeciam ao critério do percentual de conclusão da obra (Percentage of Conclusion – POC) na elaboração das demonstrações financeiras, sendo as receitas reconhecidas de acordo com o desenvolvimento do empreendimento imobiliário. Após os novos pronunciamentos, há sugestões no sentido de que a maior parte das receitas das incorporadoras deverá ser reconhecida apenas no momento da entrega da unidade imobiliária.

De acordo com estudo feito pelo Credit Suisse essa mudança proporcionaria uma baixa média de 43% no ganho líquido e uma redução de 25% no patrimônio líquido para essas empresas. A questão que motivou essa alteração refere-se ao momento da transferência dos riscos e benefícios para o comprador do imóvel. De acordo com o padrão internacional, isso ocorreria na entrega da unidade imobiliária, devendo as receitas serem reconhecidas nessa ocasião. Contudo, esse entedimento não pode ser visto como absoluto.

As promessas de compra e venda no setor imobiliário são irrevogáveis e irretratáveis. Isso significa que as partes não poderão desistir do negócio. Apesar de consideradas como promessas, por não haver a efetiva transferência jurídica da propriedade (essa só ocorre com o registro da escritura pública no Cartório de Imóveis), são contratos com grande potencial de eficácia jurídica.

Com efeito, os contratos decorrentes de incorporações imobiliárias são irretratáveis por própria disposição do artigo 32, parágrafo 2º, da Lei 4.591, de 1964. Inclusive, a lei confere ao promissário comprador o direito real oponível a terceiros, com possibilidade de adjudicação compulsória do imóvel, mesmo no caso de insolvência do promitente vendedor após o final da obra.

Por sua vez, o Código Civil estabelece que a promessa de compra e venda sem arrependimento confere ao promissário comprador direito real sobre o imóvel, se a promessa for registrada no Cartório de Imóveis. Não obstante, o direito conferido ao promissário comprador é tão relevante que a Súmula nº 293 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determina que o direito de adjudicação compulsória sequer se condiciona ao registro do compromisso da compra e venda no cartório de imóveis.

Há ainda outros aspectos que demonstram que o promissário comprador assume os benefícios e riscos mais relevantes no que se refere à propriedade do imóvel. O STJ já definiu ser possível que o promissário comprador ajuíze embargos de terceiro para proteger seus direitos sobre imóvel penhorado por dívida que não é sua (AgRg no REsp nº 643.445). Além disso, o STJ também entendeu que o promissário comprador é quem tem o direito de receber a indenização em caso de desapropriação do imóvel (REsp nº 290.066).

Neste sentido, fica notório que o promissário comprador assume os benefícios e riscos mais relevantes durante a construção e não ao final, quando da entrega do bem, haja vista que a natureza da atividade da incorporadora é uma obrigação de fazer, consubstanciada numa prestação de serviços, fato gerador do ISS.

A transferência dos benefícios e riscos decorrentes da transação imobiliária ocorrem com a evolução da obra. Diante disso, a receita deve ser reconhecida com base na evolução do percentual de conclusão do empreendimento por satisfazer todas as condições inerentes.

Não se pode esquecer que a principal função das Demonstrações Contábeis (DC) é fornecer informações sobre a posição patrimonial e financeira da entidade, que sejam úteis a um grande número de usuários em suas avaliações e tomadas de decisão econômica. Assim, o registro equivocado de uma receita fará que a principal função das DCs não seja plenamente cumprida.

Ante o exposto, conclui-se que tanto o CPC 17 como o CPC 30 estão em perfeita sintonia com a estrutura conceitual, a qual define que qualquer receita deve ser registrada quando gerar aumentos nos benefícios econômicos sob a forma de entrada de recursos que resulta em aumento do patrimônio líquido.

Contudo, a questão é complexa e precisa ser discutida amplamente para que não seja adotada uma postura que cause prejuízo às incorporadoras e as obriguem a elaborar as suas demonstrações financeiras de maneira que não venha a refletir a realidade.

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